quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O processo legislativo que tarda de forma insustentável

(documento enviado para entidades oficiais, associações de defesa animal, e comunicação social)

"Exmos. Senhores,



Agradecia que dessem o tratamento que considerem pertinente ao documento que anexo a esta mensagem. Uma vez que o tempo urge (esperava-se que a alteração vigorasse ainda nesta legislatura), não há tempo para recolha de assinaturas. Passaremos a divulgar electronicamente junto de todos os interessados, particulares e associações, relacionados ou não com a consulta inicial do Ministério da Justiça, para que possam manifestar-se e pressionar em conformidade as instâncias competentes.


Como complemento para a avaliação da relevância do seu conteúdo, permito-me enviar também quatro mensagens (apenas, de entre as centenas de igual teor que poderia enviar) com fotos. A alteração do Código Civil que foi estudada pelo Ministério da Justiça (e se encontra inexplicavelmente retida nalgum gabinete, apesar de ter a chancela dos Ministérios da Justiça e da Agricultura e Pescas - que tutela a Direcção-Geral de Veterinária), ao desferir o golpe de misericórdia no anacrónico conceito "os animais são coisas", permitiria que fosse dado o impulso decisivo às leis de protecção dos animais no nosso país, abrindo caminho à criminalização de actos bárbaros ou de negligência como os que as fotos ilustram.


Tal alteração coadjuvaria de forma inestimável o trabalho de todos os cidadãos, autoridades policiais (SEPNA, por exemplo) e associações/organizações que desenvolvem uma luta sem tréguas para transformar mentalidades e combater o sofrimento e a crueldade desnecessários e sempre impunes, que é, afinal, também, uma questão societal importantíssima. É, pois, caso para perguntar: quem tem medo da alteração ao Código Civil aprovada pelos Ministérios da Justiça e da Agricultura e Pescas?



Virgínia Joaquim"


COMUNICADO


“Os animais não são coisas” — um processo legislativo parado...

Em Maio de 2008, o Ministério da Justiça empreendeu a tarefa de colher pareceres junto das principais associações sobre o estado da protecção animal no nosso país e os seus problemas mais prementes, com o intuito de identificar áreas em que a mudança legislativa, mormente a consubstanciada na alteração do regime jurídico dos animais, se revelasse de importância crítica ou se afigurasse meta incontornável para garantir uma mais eficaz protecção aos animais. Posteriomente, foi ouvido o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e demais entidades.

Na sequência dessa consulta e dos pareceres assim colhidos, resultou um documento que foi submetido à apreciação das associações inquiridas. Nele se concluía pela necessidade de subtrair definitivamente os animais à categoria de coisas e de alterar, entre outros, o artigo Artigo 202-A do Código Civil, código que giza, afinal, o regime jurídico dos animais, e que influencia, nomeadamente através da terminologia usada e da atribuição de igual estatuto jurídico a animais e a coisas, a concepção de animal que informa as práticas da sociedade.

Tidas em conta foram, como se impunha, a crescente sensibilidade social a esta causa e a iniludível afirmação de novos paradigmas éticos e científicos, que reconhecem aos animais o carácter de seres vivos sensíveis e que repudiam uma arcaica concepção jurídica que os assemelha a coisas inanimadas e não lhes confere suficiente protecção.

A despeito de traduzir o sentimento da maioria dos Portugueses* e de reunir o consenso dos civilistas e dos mais reputados tratadistas internacionais quanto à sua relevância prática e à urgência da alteração, a aprovação do projecto tarda de forma intolerável, postergando a dignificação, que há muito urge, do estatuto dos animais e a consagração de princípios que são, também, indicadores civilizacionais e morais.

Não se vislumbram as razões de tal atraso ou retenção nas prateleiras de algum gabinete ministerial, porquanto:

(i) a alteração nada tem de vanguardista, antes assentando no pressuposto primordial de que a lei deve traduzir a consciência social de que é coetânea;

(ii) vários Estados europeus já a puseram em prática (a Áustria alterou o seu Código Civil nos anos 80 e a Alemanha na década de 90), alguns deles consagrando mesmo a protecção dos animais em diploma hierarquicamente superior ao Código Civil (a Alemanha, na sua Constituição Federal);

(iii) o diploma submetido a consulta está em perfeita sintonia com o Plano de Acção Comunitário relativo à Protecção e ao Bem-Estar dos Animais (2006-2010) e com as disposições dos Tratados de Amesterdão e de Lisboa;

(iv) a promoção do bem-estar animal insere-se nas preocupações do XVII Governo Constitucional (Capítulo III, ponto III, n.º 4, e Capítulo IV, ponto II, n.º 1, do Programa do XVII Governo Constitucional);

(v) a alteração proposta não carece de regulamentação para a sua concretização.

Saliente-se, em especial, que a substituição do conceito de “animal coisa” pelo de “animal ser sensível” impulsionaria decisivamente a protecção (incluindo a legislativa) dos animais e a necessária transformação de paradigmas e atitudes, num contexto em que os meios de comunicação social e os intervenientes das associações de defesa animal amiúde relatam casos de inquietante e impune crueldade contra os animais, algo que qualquer sociedade civilizada tem de combater convictamente. Neste sentido, o projecto de diploma faz referência expressa ao facto de o direito de propriedade sobre animais não contemplar a possibilidade de lhes infligir maus tratos, actos cruéis, formas de treino não adequadas ou outros actos que resultem em sofrimento injustificado ou abandono.

Eis, portanto, uma alteração cuja pertinência é inquestionável e que urge fazer aprovar, abrindo, assim, caminho a uma mudança das mentalidades, a um reforço da protecção jurídica dos animais e a uma sadia defesa da compaixão pelos seres indefesos (humanos e não humanos). Quem poderá considerá-la irrelevante, sem ver posta em causa a sua escala de valores morais e o seu travejamento como ser humano bem formado e informado?

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